No ano passado nasceram 992 bebés na maternidade do Hospital José Joaquim Fernandes, em Beja, uma quebra de 7,5 por cento comparativamente com 2019. É o número mais baixo de que há registo.
Texto Marta Louro
Só em 2013, em plena crise que obrigou à intervenção da ‘troika’, houve um número de nascimentos semelhante: 995. Em todos os outros anos, pelo menos desde que o “teste do pezinho” se generalizou a todos os recém-nascidos, o número de bebés nascidos em Beja tem ficado sempre acima dos mil por ano. Foram 1072 em 2019. E 1049 no ano anterior. No início do século nasciam no Hospital José Joaquim Fernandes cerca de 1200 bebés por ano.
“Até outubro de 2020, no Alentejo, não tínhamos tido uma quebra no número de nascimentos comparativamente com 2019 e com o que passou no país, onde de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE) houve uma redução de 2218 nascimentos”, começa por referir a demógrafa Maria Filomena Mendes, recordando que, até essa altura, as crianças nascidas “tinha sido concebidas antes ou no início da pandemia de covid-19, quando ainda se pensava que o que estava a acontecer não teria um efeito tão dramático”.
Depois veio a pandemia. E a situação alterou-se na generalidade do Alentejo. No caso de Beja, a situação já era diferente. “Contrariamente ao país, o Alentejo, em geral, aparentava ter alguma estabilidade no número de nascimentos, mas o Baixo Alentejo e o Alentejo Central já mostravam uma diminuição face a 2019”.
Este ano, nos meses de janeiro e fevereiro, embora já tenhamos um “impacto muito maior da pandemia, no que diz respeito à natalidade”, ainda não “existem dados suficientes que permitam comprovar isso”.
Mas, por si só, a pandemia não pode justificar estes números, até porque, um estudo publicado em 2016 pela Fundação Francisco Manuel dos Santos dá conta do baixo número de nascimentos em Portugal. Segundo os dados obtidos, o “país apresentava um dos mais baixos níveis de fecundidade da Europa e do mundo: o número médio de filhos por mulher, designado por Índice Sintético de Fecundidade, registado em 2013 e em 2014, foi na ordem dos 1,2”.
“Associado ao facto de globalmente os indivíduos terem menos filhos em média está uma alteração do calendário: o adiamento da maternidade e da paternidade. A idade média com que as mães têm os filhos é atualmente de 31,5 anos”.
O mesmo estudo, coordenado por Maria Filomena Mendes, refere que “do ponto de vista demográfico, o contínuo declínio da fecundidade compromete a dinâmica populacional, na medida em que o número de nascimentos deixa de compensar o número de óbitos (saldo natural). Esta redução da natalidade provoca ainda uma diminuição do efetivo de jovens, posteriormente, de mulheres em idade reprodutivas”.
O sonho de ser pais é consecutivamente adiado, tendo em conta o “prolongamento dos estudos e o intenso envolvimento numa carreira profissional: o próprio nível de escolaridade das mães (acima do primeiro ciclo do ensino básico) parece constituir-se como um fator potenciador para os indivíduos não terem transitado para a parentalidade”. Outra hipótese, é “o entendimento de que a conciliação trabalho-família passa pelo trabalho da mãe a tempo inteiro ou a tempo parcial”.
Em suma, “a idade, a participação no mercado de trabalho, a existência de separação dos pais, o adiamento da saída da casa dos pais e os valores relativos à família e aos filhos” são fatores determinantes na hora de decidir ou não avançar para a constituição da família.
“NÃO PODIA TER NASCIDO EM MELHOR ALTURA”
É desta forma que Pedro, de 30 anos e Joana, com 33 anos, falam sobre o nascimento do filho, Nuno Miguel, em plena pandemia da covid-19. O casal, natural do distrito de Beja, vive na capital do país há oito anos. O menino nasceu em agosto do ano passado: “Quando consegui engravidar não imaginava que a pandemia pudesse chegar a Portugal, mas não tive escolha. Andávamos a tentar há seis anos”. Durante esse tempo, Joana foi submetida a vários tratamentos de fertilidade, porque o companheiro, não podia ser pai, “pelo menos da forma tradicional” uma vez que, aos 17 anos, tinha-lhe sido diagnosticado um tumor no fémur. A quimioterapia a que foi sujeito colocou em risco o sonho de ser pai. Nessa altura, e no meio do choque, surgiu a hipótese de “antes de iniciar os tratamentos recolher palhetas de espermograma, para serem congeladas”.
“Desde cedo que tanto eu como ele falávamos em ser pais e sempre tivemos esperança que conseguíamos sozinhos”, diz Joana, acrescentando que no seu caso, ser mãe depois do 30 e em plena pandemia da covid-19, “não foi uma escolha, teve de ser assim e ainda bem. Já esperávamos isto há muitos anos. Fizemos vários tratamentos de fertilidade, e este último resultou”.