A proposta surgiu numa resposta aos deputados da Comissão de Economia, Inovação, Obras Públicas e Habitação: “Beja pode ser transformada numa espécie de capital mediterrânica contra a desertificação”.
Texto Luís Godinho
António Costa Silva, o consultor contratado pelo Governo para elaborar a “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030”, explicou na altura que a ideia era “dar uma atenção especial” ao Baixo Alentejo e Algarve, regiões onde se colocam os maiores problemas de desertificação.
“A ideia nasce do facto da desertificação no Baixo Alentejo e no Algarve não ser um fenómeno isolado e estar a afetar todo o sul da Europa e o norte de África”, explica António Costa Silva em entrevista ao “Diário do Alentejo”. “Este é um dos problemas e desafios centrais do nosso tempo e se não for atacado com todos os meios disponíveis vamos ver o crescimento incontornável de fenómenos como secas prolongadas, declínio da produção agrícola, fome e deslocações massivas de populações à procura de melhores condições de vida”.
Segundo o consultor, Beja reúne “todas as condições para corporizar este projeto”, envolvendo o Instituto Politécnico de Beja, o Centro de Competências da Luta Contra a Desertificação, instalado em Alcoutim, além das autarquias e outras instituições “preocupadas” com o agravamento do problema da seca e da desertificação do território.
“É necessário construir uma plataforma colaborativa regional e nacional reunindo universidades, politécnicos, centros tecnológicos e de inovação com autarquias e empresas capazes de trabalharem em conjunto, identificarem os riscos das alterações climáticas, definirem planos para a sua mitigação, construírem mapas de resiliência do território com as zonas mais críticas e o que fazer para minimizar os problemas”, acrescenta.
Na entrevista ao “DA”, António Costa Silva defende a criação de um “projeto multidimensional” que olhe em profundidade para questões tão diversas como a gestão dos recursos hídricos, as reservas estratégicas de água e a capacidade de armazenamento, a resiliência dos subsistemas territoriais, infraestruturas e acessos, bem como o modelo de ocupação do território. Entre as suas preocupações está a “relação” entre este fenómeno e as práticas agrícolas. No âmbito deste projeto, acrescenta, deverá ser “desenhada uma estratégia com base em propostas inovadoras e soluções tecnológicas capazes de mobilizar fundos nacionais e europeus para a luta contra a desertificação”.
Segundo António Costa Silva, a plataforma poderá “ganhar corpo” utilizando o ‘soft power’ de Portugal “para agregar os países do sul da Europa e do norte de África, que têm problemas similares, pondo em marcha um projeto mobilizador que pode e deve ser acolhido pela União Europeia e apoiado pelos fundos disponíveis para a questão climática e para a política de boa vizinhança” com os países do mediterrâneo, em particular os do norte de África.
“Para materializar este projeto precisamos duma ideia consistente e mobilizadora. Depois precisamos de explicar que esta ideia responde a um dos maiores desafios do nosso tempo e que está alinhada com as prioridades nacionais e europeias. E depois precisamos de mobilizar as instituições, autarquias, universidades, politécnicos, centros tecnológicos e empresas e definir o que fazer e como fazer”.
Entre as prioridades, avança o consultor, deverá estar a definição de “um modelo de governança claro, com os atores, os papéis, responsabilidades [de cada um] e a sua inserção num projeto realmente transformador que possa minimizar um dos riscos mais graves para o futuro do país. Depois precisamos de mobilizar os fundos nacionais e europeus e dar escala ao projeto, continuidade e capacidade de gerar respostas”.
CHOVE CADA VEZ MENOS
Nas últimas cinco décadas, a precipitação caída no Baixo Alentejo registou uma quebra considerável, à semelhança do que sucede noutras regiões do Mediterrâneo. São as consequências de um clima em mudança. Em entrevista recente ao “Diário do Alentejo”, Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e professor de Física jubilado da Universidade de Lisboa, estimou a quebra de precipitação no distrito de Beja em 40 milímetros a cada 10 anos. Feitas as contas, numa região onde há meio século a precipitação anual atingia entre 600 e 800 milímetros, a situação atual já representa uma quebra da ordem dos 25 a 30 por cento.
“Com a redução da precipitação os solos têm tendência a degradar-se, embora isso também esteja dependente da forma como são utilizados. Podemos utilizar o solo de maneira a travar a desertificação, entendida no sentido de diminuição da qualidade dos solos”, diz Filipe Duarte Santos, sublinhando que a quebra na precipitação não é apenas um problema do Baixo Alentejo e do Algarve, correspondendo antes a “um fenómeno que desde 1960/70 é visível em todo o Mediterrâneo, desde logo em Espanha, mas também na Grécia, no Médio Oriente – Síria, Israel ou Jordânia – ou nos Balcãs”.
"ESPAÇOS GEOECONÓMICOS INTEGRADOS"
Estender a fibra ótica ao interior do País e mobilizar os jovens para desenvolverem projetos agrícolas e tecnológicos no interior são duas das propostas de António Costa Silva para que os territórios de baixa densidade, como o Baixo Alentejo, possam “romper” com o ciclo de despovoamento e envelhecimento dos últimos anos. O consultor defende a criação, no interior de País, de “espaços geoeconómicos integrados com base em tecnologias agrícolas, tecnologias digitais, polos de ciências da saúde, investigação agrária e florestal”, além de uma maior articulação entre regiões transfronteiriças. “Com base em todas estas valências dinamizar e fortalecer as economias locais e explorar todo o seu potencial para gerar mais riqueza e inverter as dinâmicas demográficas”, conclui.