Diário do Alentejo

“Quero contribuir para a educação intercultural através da música”

29 de agosto 2021 - 15:00
Foto | José MariaFoto | José Maria

Silvano Sanches, músico compositor, natural de Cabo Verde, é licenciado em Animação Sociocultural, com uma pós-graduação em Desenvolvimento Comunitário e Empreendedorismo. Em Beja protagonizou, em 2004, o projeto musical Baboza Afromusic, no qual reuniu vários músicos. Venceu, em 2008, o Prémio Orlando Pantera, na categoria Melhor Composição, atribuído pelo Ministério da Cultura de Cabo Verde. Tem participado em diversos festivais em Portugal, Suíça, Polónia, Cabo Verde.

 

 

Texto José Serrano

 

Sempre com forte enfoque nas identidades tradicionais, Silvano Sanches acaba de lançar o seu primeiro disco a solo, intitulado “Kontributu”. Um trabalho, com dez temas originais, que tem como base de referência artística a fusão de ritmos tradicionais cabo-verdianos com estilos contemporâneos. O álbum foi criado no âmbito do programa de residências artísticas da Musibéria e, além de Silvano Sanches (voz e guitarra), conta com a participação de João Nunes (guitarras e cavaquinho), Pedro Rijo (saxofones), Gabriel Costa (baixo) e Mário Lopes (bateria).

 

Como nos apresenta este seu “Kontributo” musical?

“Kontributu” é uma forma de contribuir para a divulgação da cultura cabo-verdiana. Morna, coladeira, batuku, finason, tabanka e funaná são apresentados neste álbum, num estilo mais contemporâneo mas mantendo as características dos ritmos tradicionais cabo-verdianos. O álbum, composto por 10 temas originais, traz influências de Cabo Verde, numa fusão com ritmos do mundo. Trata de temas da sociedade, de amor e de saudade. Tem como motivação artística contribuir para educação através da música, entendendo eu que a música tem o poder de passar mensagens que podem contribuir para um mundo mais saudável.

 

Considera que a música deverá ter um papel educacional e de união, nas sociedades?

Sim, para mim é claro. A emergência deste projeto artístico é, também, um incentivo para o trabalho de integração e dinamização intercultural, que se pode fazer, por exemplo, no nosso Alentejo, região que tem sido surpreendida pelo fluxo de imigrantes, atraídos pelo trabalho nas grandes plantações agrícolas que caracterizam a região. Este projeto pretende contribuir para a educação intercultural através da música, uma vez que o repertório traz ritmos que permite descobrir outras culturas, e sensibilizar para o interesse dos imigrantes na dinâmica cultural local e regional.

 

De onde proveio a inspiração para as músicas que partilha agora, neste álbum?

A inspiração vem das coisas do quotidiano, de situações que vivi ou presenciei, algo que me marcou, mas sempre duma forma muito espontânea – de repente surge uma inspiração, normalmente em forma de melodia e depois é a própria melodia que vai determinar o tipo de letra, o conteúdo. A partir daí é que começo a trabalhar a estrutura musical, depois é que começo a trabalhar os arranjos. Todo esse processo é muito natural, basta ressentir o que está na essência do ritmo e da mensagem que se pretende transmitir para fazer florescer as melodias que “vestem” a composição musical. 

 

A viver em Beja há 19 anos, de que forma o Alentejo lhe tem influenciado a veia artística?

Cheguei a Beja, em 2002, para estudar – fiz a licenciatura e fui ficando. Fui sempre muito bem acolhido e sinto-me, aqui, em casa. Em 2011 emigrei para a Suíça, onde também tive um percurso interessante a nível musical e profissional. Em 2018, regressei a Beja e posso afirmar que Beja é a minha segunda cidade. Gosto das pessoas e adoro esta calmaria que caracteriza o Alentejo. Encontrei aqui bons artistas e um ambiente acolhedor. A cidade é-me marcante: aqui nasceu a minha filha, aqui formei a minha primeira banda musical – sou muito grato por tudo isso.

 

Considera existir alguma semelhança entre a música popular cabo verdiana e o Cante Alentejano?

Eu penso que há abertura para uma boa fusão entre o Cante Alentejano e o batuku, passando pelo finason. São estilos que facilmente se poderão casar em termos rítmicos, sendo que, ao nível do conteúdo das letras, todos primam por questões da vida quotidiana, do trabalho, das situações sociais. Seria, portanto, um desafio aliciante…

 

Quem são os seus principais ídolos musicais e de que forma estão presentes na sua música?

Alguns dos nomes, entre outros, que influenciaram a minha caminhada enquanto artista são: Orlando Pantera, Norberto Tavares, Nácia Gomi, Cácá Barboza, Zeca de Nha Reinalda, Salif Keita, Youssu N’Dour, Tomé Varela, Zeca Afonso e Bob Marley. Bebi muito das influências do Orlando Pantera, artista com quem tive oportunidade de conviver pessoalmente, nas “tocatinas” que ele realizava com os amigos no bairro de Achadinha (Praia), onde nasci e cresci. 

 

Apresentou, recentemente, este seu trabalho no auditório Musibéria, em Serpa, e no Centro Unesco, em Beja. Qual foi a sensação de voltar a pisar os palcos, depois de um tempo em que, por razões sanitárias, foi impossível fazê-lo?

Foi muito bom regressar ao palco, depois de termos passado por um longo período de confinamento. O palco é a minha casa e estes dois concertos tiveram um gosto especial, precisamente porque vêm no âmbito do lançamento do meu primeiro álbum. Foram dois bons concertos, com as salas cheias, um bom nível de organização e o mesmo carinho e apoio do público, ao qual aproveito para deixar aqui um forte abraço.

 

Qual o caminho que espera que este “Kontributo” venha a trilhar?

Espero que as pessoas gostem das músicas. O CD já está disponível e no final deste mês o álbum vai estar nas plataformas digitais, para venda ‘online’. Nesta perspetiva espero poder fazer mais concertos. Aproveito a oportunidade para agradecer o apoio institucional da Câmara de Serpa, aos músicos que harmonizaram os seus talentos neste álbum e a toda a equipa envolvida, à editora Marisco Sonoro e ao Musibéria, especialmente ao seu diretor, César Silveira, e a todos que me acarinham e me dão forças, nesta caminhada musical.

 

O que pode a música fazer por nós?

A música pode ser utilizada como um veículo de transmissão de conhecimentos e como forma de educação pessoal e coletiva. Tem a força de moldar a própria personalidade e isso passa, fundamentalmente, pelo conteúdo da mensagem que ela transporta. A música tem o poder da cura, a capacidade de transportar energias que penetram as células do corpo…A música pode contribuir para o tratamento de patologias, para a educação, para a libertação mental, para o equilíbrio emocional e para a própria expansão da consciência.

Comentários