Diário do Alentejo

“Pretendo ser o mais verdadeiro possível naquilo que escrevo”

12 de agosto 2021 - 12:00

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Luís Fernandez, músico e compositor, nasceu em Beja no dia 25 de abril de 1980. A sua caminhada no universo musical tem sido trilhada por variados projetos, do ‘rock’ ao ‘pop’, passando por ‘covers’ e Cante Alentejano.

 

Iniciou a carreira a solo, fazendo os primeiros concertos no bar Cais na Planície, no Parque da Cidade, em Beja. Em 2015, a convite de Deodato Pereira, ingressa na sua primeira banda. Dr.º à Noite, uma formação de Beja que tocava originais em português com um estilo ‘rock n´roll’. Das várias atuações realizadas destaca-se a abertura de um concerto dos Xutos & Pontapés, na Facal, em Almodôvar. Em 2016 ingressou no Grupo Coral e Instrumental Trigo Limpo, com o qual realizou vários concertos até 2019, dos quais se destacam o concerto de comemoração dos 35 anos do Grupo, no Cine Teatro Pax Julia, um o concerto na Festa do Avante. Após uma “pausa” para se dedicar a outros projetos, regressa aos “Trigo Limpo” em 2021, para dar continuidade a um projeto que transporta Beja e o Alentejo nas suas canções, e que tem uma história tão antiga quanto bela.

 

Paralelamente a este percurso, outras experiências musicais foram assumindo protagonismo. Em 2017 inicia um projeto de ‘covers’ com João Pina, ao qual foi dado o nome de Tr3s & Roda, um projeto composto por voz, guitarra acústica e ‘cajon’ [um instrumento de percussão originário do Peru] e que nasce do gosto de tocar (“rodar”) as próprias versões de temas conhecidos em versão acústica. Com este projeto realizou concertos em vários espaços da cidade de Beja. Um projeto que, em 2019, com a entrada de João Nunes, na guitarra, cresceu e consolidou-se, mantendo-se até aos dias de hoje e atuando, regularmente, em bares e eventos diversos.

 

Em 2018, aceita o desafio de cantar em inglês e forma a banda Carter, com Deodato Pereira, Nuno Riba, Wagner Bruno e Rita Barrocas.

 

Atualmente, tem vários projetos em mãos, como a banda de originais Embala, o projeto Tr3s & Roda e o Grupo Coral e Instrumental Trigo Limpo. Está ainda a preparar a gravação de um álbum a solo, com edição prevista para o próximo ano.

 

Para além da música, que confessa ser a sua paixão maior, Luís Fernandez frequenta a licenciatura em Gestão de Empresas e trabalha na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e numa empresa imobiliária.

 

Quando e como surgiu o gosto pela música?

 

Penso que nasceu comigo e esteve sempre presente na minha vida. Desde que me lembro de ser “gente”, gostava de fingir que tocava guitarra e cantava pela casa a imaginar que estava num palco a atuar para uma audiência. Lembro-me que as primeiras músicas que ouvi foram fados. O meu pai sempre foi um grande ouvinte de fado e eu lembro-me de ouvir o Carlos do Carmo e o António Pinto Basto, entre outros. Lembro-me também de ouvir, em casa, o Zeca Afonso, o António Variações, a Lena D’Àgua, entre outros. Mais tarde, através da minha irmã, descobri o ‘rock’ com bandas como GNR ou Guns N´Roses. Só em idade adulta é que comecei a tocar as minhas primeiras canções e a fazer as primeiras composições. Não conseguia aprender a tocar guitarra, que era o instrumento que mais me fascinava, porque o facto de ser esquerdino me dificultava a tarefa. As pessoas a quem pedia para me ensinarem uns acordes diziam sempre que não tinha jeito e que devia mudar de instrumento. Até que um dia o meu amigo Pedro Marques, um ótimo guitarrista, por brincadeira, me trocou as cordas e me transformou a guitarra numa guitarra para esquerdino. A partir desse momento comecei a tocar, a levar a guitarra sempre comigo e até hoje nunca mais parei. Comecei por compor sonoridades mais ‘rock’, mas também sempre gostei de compor baladas ou até mesmo ‘hip-hop’, daí a minha dificuldade em encontrar um estilo, em preferir a fusão de vários estilos e em ter vários projetos. Gosto de ouvir e tenho influências que vão desde António Zambujo ou Adele, aos Da Weasel, Metallica ou Slipkont. É uma grande “salada russa”, mas, para mim, a música não tem estilo, há boa e má.

 

Dos vários trabalhos desenvolvidos, algum a destacar?

 

Todos os projetos em que participei foram importantes no meu percurso. Sem eles não estaria onde estou, nem seria como sou e a minha forma de ver o mundo seria diferente, de certeza. Aqueles que se mantêm e que continuam a fazer parte de mim são os mais importantes, porque me dedico a todos eles de corpo e alma. Talvez o projeto que destaco pela grandeza e o nome mais sonante seja o Trigo Limpo, quer pela sua marca na música alentejana, quer pelas amizades que fiz dentro do grupo.

 

O repertório é adaptado ou é constituído por originais?

 

Nos Trigo Limpo o repertório é adaptado e vem do cancioneiro tradicional alentejano. Em Tr3s & Roda também, pois é uma banda de ‘covers’ e é esse o propósito do projeto. No meu projeto a solo, todos os temas são originais. Normalmente componho a música e a letra. Digo normalmente, porque tenho sempre um aliado com quem gosto de partilhar as criações e que me ajuda na parte musical, que é o João Pina. As letras sou sempre eu que faço, pois pretendo ser o mais verdadeiro possível naquilo que escrevo. O que não quer dizer que não componha músicas para as letras de alguém, como já aconteceu com uma da Rita Palma Nascimento, a “Menina dos Olhos de Mar”. Quanto às músicas, umas componho eu, outras surgem de ideias de qualquer um dos membros e, se todos gostarem, a música é feita.

 

Ser alentejano e viver no Alentejo é fonte de inspiração ou de limitações para a carreira?

 

Será sempre uma fonte de inspiração, não só pelo sítio, mas também pela quantidade de bons músicos e de boas bandas que temos aqui. Alguns deles já tocaram comigo, quer em bandas ou grupos, quer em “brincadeiras” que fizemos de improviso. Aprendo muito com os artistas do nosso Alentejo, pois foram e são uma fonte de inspiração. Contudo, viver nesta região tem limitações. Custa o dobro ou o triplo a obter frutos do nosso trabalho, comparativamente, por exemplo, a um artista ou músico que viva em Lisboa.

 

As novas tecnologias são uma mais-valia para a sua carreira e para os seus projetos?

 

São, sem dúvida, uma grande mais-valia para os meus projetos, quer para publicitar concertos, quer para realizar eventos ‘online’ e divulgar o meu trabalho e as minhas bandas. Estas ferramentas são também importantes para ajudar quem precisa, sejam pessoas ou instituições.

 

Alguns momentos inusitados vividos ao longo da carreira?

 

Ao longo do meu percurso na música tenho já vários momentos. Sem dúvida que me marcou bastante conhecer, pessoalmente, os Xutos & Pontapés… quando tocámos com eles. Mas um dos mais engraçados, que nunca vou esquecer, foi quando o Deodato Pereira, a assar uma linguiça, armado em esperto, como nós gostamos de dizer no Alentejo, ia pegando fogo à sala de ensaios.

 

Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo?

 

Por um lado, deixou de haver eventos, os concertos foram cancelados e fomos proibidos de fazer o que mais gostamos. Por outro lado, este tempo de pausa ajudou-me a descobrir e a conhecer melhor quem sou e onde quero chegar, obrigou-me a reinventar-me e a tentar novos caminhos para continuar a fazer o que gosto. Permitiu-me também começar a fazer diretos nas redes sociais e com isso ajudar, ou pelo menos tentar ajudar, quem precisa. Além disso, tive tempo para escrever e compor canções sem a pressa condicionada pelo dia-a-dia.

 

Que projetos estão em mente a curto, médio e longo prazo?

 

A curto prazo quero, enquanto for possível, continuar a dar concertos e fazer aquilo que mais gosto, que é estar perto das pessoas a tocar e a cantar. A médio e longo prazo, gostava de meter os meus originais “cá fora”, quer a solo, quer com a banda.

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