O verão só não é um produto do Alentejo porque aqui não foi criado como os melões, os espargos e as saudades. Mas é coisa familiar, continuada e sofrida. É um presente envenenado oferecido aos alentejanos, conferindo-lhes a exclusividade da sua ardência. Prémio que eles declinariam de boamente, se pudessem. Não podendo livrar-se do mal que durante quatro meses o atormenta, o homem do sul tenta viver com o inimigo. Tem com o verão um pacto de amor/ódio. Mais de ódio que de amor, à medida que o clima entra em descontrolada loucura.
Todavia, se tirassem ao Alentejo a “rechina da calma” em que o mercúrio se alcandora na fasquia do termómetro e em que a “costureirinha”, na mornidão das velhas casas, perde o fôlego dando ao pedal na máquina misteriosa, o Alentejo não era Alentejo. Valha, por isso, à população a fornalha que lhes deram. Sofrem, mas são diferentes. Mergulham em vida no caldeirão de Belzebu, mas têm essa ardente exclusividade!
- Só desistiremos feitos em torresmos - afirmam alguns mais destemidos com alguma ponta de humor ainda que esbraseado.
Outros, saudosos, cantam de longe:
- Eu hei de ir ao Alentejo mesmo que seja no verão.
Só que a “hora da calma” é cada vez mais comprida e mais forte a ardência do astro-rei. Se se perguntar à gente mais antiga, especialmente a que sofreu a inclemência do verão durante as ceifas e debulhas, todos dirão que, nesses tempos, só uma vez por outra o mercúrio montava até à casa dos quarenta. Mas mesmo assim era total o respeito que todos guardavam pelo sol. Só as mãos, por inevitável, deixavam a descoberto. Preceitos de uma cultura prudente hoje posta em causa pelo tostado da pele que se tornou moda com o ‘agrément’ dos vendedores de cosméticos e o inevitável recurso às medicinas da derme.
Face ao desvario do sol, temperaturas superiores a quarenta graus começam a ser triviais nos tempos de hoje, com a população aflita em habitações que não se adequam à sua enormidade. A taipa e as abóbadas foram banidas da arquitetura das casas por serem contrárias ao lucro imediato dos construtores civis e as caixas de betão e ferro que estes fabricam são autênticas frigideiras onde rechinam os moradores. Os aparelhos de ar condicionado entraram inevitavelmente em cena enchendo o bolso a outros negociantes, indiferentes ao inferno em que se tornam as ruas com o sopro aquecido dessas estranhas máquinas de frio desfigurando o exterior das habitações. Fabricar frio é também agredir a sombrinha benfazeja que nos protege da ameaça a que todos estamos sujeitos, até os que só querem encher os bolsos desprezando consequências. O desequilíbrio ambiental é já evidente como prova a ferocidade e a extensão dos fogos florestais, as repentinas cheias dos rios que tudo arrasam, os frios glaciais ou calores tórridos em zonas temperadas, as pandemias que agridem a humanidade.
O futuro não se antevê promissor. Todos os anos Deus põe mais uma acha na fornalha atanazando a gente do Alentejo. Os ambientalistas inibem-se de culpar a divindade, apontando o dedo aos que comandam os destinos do mundo. Ainda há pouco Trump (felizmente apeado da presidência de um dos países mais importantes da terra) fazia a apologia do carvão dando de barato o que se acordou em Quioto. Inacreditavelmente a irresponsabilidade também dá votos, fazendo ascender tiranos à cadeira do poder. Só que o descontrole ambiental de hoje encurta cada vez mais a iminência da catástrofe que não irá poupar ninguém se não se der um passo atrás.
O alentejano já torce o nariz à caloraça. Tudo o que é demais não presta, diz agastado. As previsões impõem sensatez.