Diário do Alentejo

“O facto de pertencer à terra é uma condição que me define”

07 de julho 2021 - 16:20

Texto Rita Palma Nascimento

 

“Ribeiro” é o novo disco de Paulo Ribeiro, lançado em fevereiro de 2021, que conta com a participação de Rão Kyao. Enquanto cantautor, outros discos o antecederam, a solo e em grupo, destacando-se “O Céu como Tecto e o Vento como Lençóis”, composto a partir da obra poética do escritor Manuel da Fonseca, “As Novas Aventuras dos Tais Quais” e “É assim…Uma Espécie de Cante”, em parceria com o Grupo Coral e Etnográfico Os Camponeses de Pias, onde diversas são as músicas do imaginário ‘pop’ português adaptadas ao Cante Alentejano

 

Apaixonado que se confessa pelo seu Alentejo, trá-lo sempre na voz, assim como na contemporaneidade das modas que compõe. Mas Paulo Ribeiro é ainda mais; é autor de bandas sonoras, música para peças de teatro e performances de poesia. O seu nome, intrinsecamente ligado à projeção, elevação e ensino do Cante Alentejano, está também associado a projetos como Anonimato, Mosto, Baile Popular ou Tais Quais. Desde 2018 é também sua a direção artística do Festival B.

 

Até setembro, poderá acompanhá-lo em digressão pelo Baixo Alentejo, no âmbito da itinerância de espetáculos do Festival BA.

 

“Ribeiro” é o seu novo álbum, revelador do lado mais autoral do Paulo Ribeiro, onde afirma que “o Alentejo está novamente de regresso”. Fale-nos um pouco sobre este trabalho e das motivações a ele associadas.

 

Quando digo que o Alentejo está novamente de regresso, talvez pretenda transmitir que o Cante continua a ser, de certo modo, o meu chão. A terra fértil onde colho, tantas vezes, inspiração, mesmo quando as minhas canções apontam para estéticas, caminhos e possibilidades muito diferentes. Não sei se é o meu disco mais autoral. Noutros trabalhos, a maior parte das músicas é da minha autoria, enquanto neste disco metade dos temas pertencem ao cancioneiro tradicional do Alentejo. Embora também entram nesta equação músicas que compus a partir da poesia de Fernando Pessoa, Al-Mu’tamid, João Monge ou Manuel Alegre. "Noturno de Beja", por exemplo, é uma homenagem à minha cidade. Há nestes 11 temas uma ideia de sul, o sul geográfico, mas também o meu sul afetivo, o lugar a que pertenço. Depois tenho dois convidados muito especiais que emprestam o seu talento e magia a este trabalho, refiro-me ao Rão Kyao e ao violoncelista Emídio Coutinho. No ‘booklet’ do álbum escrevi: "Ribeiro é um curso d'água alimentado por diversos braços. E Ribeiro sou eu também, influenciado por diferentes sonoridades". Talvez este pensamento ajude a compreender a essência e as motivações do disco que contou com a produção do Jorge Moniz.

 

As raízes demarcam-nos e num artista isso é ainda mais evidente. Para o Paulo a raiz é a base ou a cabeça? É o pensamento e a origem, ou um elemento de fixação e de estabilidade?

 

As raízes podem ser tudo isso, mas na maneira como funciono, em termos artísticos, as raízes nunca são um elemento de fixação e estabilidade. São mais um elemento de possíveis fusões ou até de instabilidade, um ponto de partida para outros caminhos. E pode não nascer a árvore. É assim que eu encaro as raízes, nomeadamente as que estão na base das tradições. Mas concordo que, culturalmente, o facto de ter nascido e crescido no Alentejo, independentemente das minhas viagens, contactos e influências, o facto de pertencer à terra é uma condição que, naturalmente, me marca e define de forma indelével enquanto pessoa e como artista.

 

A fusão de diferentes sonoridades é notória, sem perder a essência e raiz do Cante Alentejano. Considera importante, para a sua contemporaneidade [do Cante], o conjugar de tradição e inovação?

 

Tradição e inovação podem coabitar e complementar-se. Para se inovar, reinventar ou compor novas modas é necessário conhecer-se o Cante com alguma profundidade e substância, é preciso amá-lo. Aliás, sem amor não se faz nada! É essencial manter viva a chama da tradição de que são guardiões os grupos corais e etnográficos, garantindo a sua transmissão de geração em geração. Exemplo disso é o nosso cancioneiro que reflete sobre a nossa cultura, história e identidade. Por outro lado, é importante que se encare o Cante como uma expressão artística que se vai atualizando e adaptando aos novos tempos

 

Como pode esta nova abordagem, com introdução de novos estilos, promover, recriar e impulsionar o Cante?

 

Talvez eu tivesse descoberto o flamenco ainda nos anos 80, através de bandas pop/rock da Andaluzia que tinham influências notórias do flamenco. Ou seja, já nos anos 80 os grupos de música moderna faziam esse tipo de fusão. Eu próprio com os Anonimato, de forma subliminar, na década de 90, incorporei o Cante na sonoridade de um grupo. Se calhar, o que me levou a querer saber quem era Camarón de la Isla ou Paco de Lucía, poderá levar outros a revelar uma curiosidade natural e de descoberta do Cante Alentejano, através de propostas musicais de fusão.

 

E as gerações mais jovens têm uma palavra a dizer nesta recriação?

 

As gerações mais jovens não "têm uma palavra a dizer", têm um romance para continuar a escrever.

 

No que respeita ao Festival BA, considera que novos públicos o poderão vir a descobrir?

 

De alguma forma sim. São sempre boas oportunidades de continuar a apresentar, divulgar e partilhar o nosso trabalho com as pessoas e as comunidades. Espero sinceramente que seja uma estratégia que tenha continuidade a curto, médio e longo prazo, numa perspetiva de futuro para as artes, para os artistas e para todo o setor cultural, considerando, obviamente, toda a atividade económica que lhe está intrinsecamente associada, numa lógica de reforço da coesão territorial na sua diversidade, tão enriquecedora para um futuro mais próspero e inclusivo.

 

Este festival assume-se como resposta de ajuda à retoma das atividades culturais e artísticas, após um período conturbado. Que respostas considera serem oportunas e urgentes, no imediato?

 

Este festival que incorpora música, teatro e dança é, sem dúvida, oportuno e pertinente. Na realidade, são mais de 100 os espetáculos a acontecer no Baixo Alentejo. Com isso valorizamos a cultura, o território e as suas gentes. No entanto, julgo que o País deve investir, de uma vez por todas e seriamente, no setor cultural. A cultura é uma alavanca para o desenvolvimento social e económico, além de ser indispensável ao nosso bem-estar e integridade, enquanto sociedade. Infelizmente, penso que esta perceção ainda está longe de pertencer ao poder central, com todos os custos e implicações que essa falta de visão acarreta, não só para os profissionais do setor, como para a comunidade em geral.

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