Diário do Alentejo

"Sempre tive a cabeça povoada de histórias”

01 de julho 2021 - 15:00

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Sara Rodi, filha de pais alentejanos, foi nascer ao Porto no ano de 1978, e por lá ficou até aos quatro anos, altura em que os pais regressaram às terras desafogadas do sul. E foi no Alentejo, em Évora, que permaneceu até aos 18 anos, partindo depois para Lisboa para estudar Ciências da Comunicação. “Queria escrever, e acreditava que o jornalismo podia ser um bom caminho. Acabei por descobrir também o guionismo, que aprofundei em Barcelona durante seis meses”. Quando regressou a Portugal, em 2000, arriscou o envio de dois manuscritos para uma editora que procurava novos autores. O “casamento” deu-se e surgiram os dois primeiros romances de Sara Rodi: “A Sombra dos Anjos” e “Frio”. Foi também nesta fase embrionária do percurso que surgiu a oportunidade de começar a trabalhar em ficção televisiva. Autora de mais de 40 títulos, lançou agora "O Quanto Amei - Fernando Pessoa e as Mulheres da sua Vida".

 

Quando e como foi descoberta a vocação para as letras?

 

Sempre tive a cabeça povoada de histórias e personagens, não sei se foi algo que já nasceu comigo, ou se foi o resultado das histórias que a minha mãe me lia ao deitar. Talvez das duas coisas. Entretanto, aos seis anos, pedi ajuda à minha mãe para fazer o meu primeiro “livro” a partir de um sonho, e a experiência revelou-se fascinante. Como tinha dificuldade em contar aos outros as minhas ideias, aquela era uma forma de as concretizar e partilhar. Era mais demorada, exigia reflexão e trabalho, mas senti-a desde logo como a “minha” forma de comunicar. A oralidade implica uma rapidez que não tenho. Como penso muito, e muitas coisas diferentes, preciso de tempo para o digerir.

 

Dos vários registos de escrita, algum que seja o de eleição?

 

Gosto de escrever para diferentes públicos e em diferentes formatos, não me vejo a deixar qualquer registo pelo caminho. Mas gostei muito de regressar ao romance. Durante uns anos, e muito em virtude da maternidade (quatro filhos preenchem-nos a vida de uma forma avassaladora), deixei o romance de lado. Regressar a ele ajudou-me a regressar também a mim e aos temas que me importam.

 

“O Livro da Minha Vida”. Que projeto diferenciador foi este?

 

“O Livro da Minha Vida” surgiu numa altura em que senti necessidade de me afastar da televisão. Tinha dois filhos pequenos e estava a coordenar um projeto que me roubava não só tempo, mas também a minha sanidade mental. Percebi que tinha de mudar de vida e usar a minha escrita de outra forma. Como já tinha escrito algumas histórias de vida para editoras, como 'ghostwriter', pensei que podia ser interessante transformar a vida das pessoas – de qualquer pessoa – em livro. Cada pessoa é uma história, e há vidas tão ricas! Juntei-me então com uma vizinha, arquiteta e mãe, e criámos “O Livro da Minha Vida”, que basicamente dava a oportunidade a qualquer pessoa de ter um livro com a sua história para partilhar com os mais próximos, numa tiragem limitada. O projeto terminou alguns anos depois, quando percebi que já estava mais a gerir pessoas e burocracias do que a escrever. Não tenho vocação para empresária. Estava na altura de mudar de vida, outra vez.

 

E a experiência como 'ghostwriter'?

 

Fiz o meu primeiro trabalho como 'ghostwriter' para a Dom Quixote, a convite do editor Alexandre Vasconcelos e Sá. Tinha escrito “O Olhar da Serpente”, com a Felícia Cabrita, depois de ter escrito também uma telenovela com esse nome, e o editor desafiou-me a ajudar a Isabel do Carmo, endocrinologista, a concretizar o seu livro. Aprendi tanto sobre alimentação e saúde que acabei por trabalhar, nos anos seguintes, com vários outros autores nessa área. Também escrevi histórias de vida, e ajudei profissionais de outras áreas, mas nunca fiz ficção. Aí já seria difícil dissociar-me do texto, não o sentir como meu.

 

Como surge a escrita de guiões para televisão na vida de Sara Rodi?

 

Quando estudei guionismo pensei em escrever para cinema, mas quando cheguei a Portugal desafiaram-me para colaborar na escrita de uma telenovela. Eu que, na altura, nem tinha televisão! Lembro-me de ir comprar revistas para perceber quem eram os atores e acabou por se tornar numa experiência muito interessante, porque fui obrigada a trabalhar em equipa – eu que escrevia sempre sozinha – e a escrever muito todos os dias. Ganha-se um certo músculo.

 

Dos guiões para a apresentação, como foi a experiência no canal Saúde +?

 

Foi a loucura dos 40! Convidaram-me pouco tempo antes de cumprir 40 anos e eu pensei: “Não me vão convidar aos 50”. A experimentar, teria de ser naquele momento. Passei a respeitar muito mais os apresentadores: conduzir uma entrevista com um auricular no ouvido onde nos vão dando indicações de tempo e entrada de peças, é de uma enorme exigência. Alinhar as ideias para os programas, decidir os convidados, convidá-los, tratar dos oráculos, das roupas, dos cabelos, das luzes, do som... é toda uma máquina onde trabalham muitas pessoas que merecem também o nosso reconhecimento. Não é uma experiência que tencione repetir – prefiro, definitivamente, os bastidores – mas valeu por isso mesmo.

 

Crescer no Alentejo representou uma fonte de inspiração ou de limitações para a carreira?

 

Não sinto que me tenha limitado, porque a verdade é que também me vim embora. Mas os anos que por lá passei foram muito bem aproveitados, e foram imensamente inspiradores. Aos 12 anos fui viver para uma quinta com uma vista soberba sobre a cidade, um céu de estrelas imenso, uma paz e um tempo que me levaram a escrever bastante. Se tivesse crescido no rebuliço de uma grande cidade, com outras solicitações, não sei se teria tido toda essa disponibilidade para a escrita. Ainda hoje subo ao terraço da casa dos meus pais, onde me sentava a escrever, e a minha cabeça enche-se de novas palavras. 

  

E as palavras obedecem ou não ao novo acordo ortográfico?

 

Resisti um pouco, mas não tanto como outros colegas meus. A partir do momento em que os meus filhos aprenderam a ler e escrever com o novo acordo, deixou de me fazer sentido escrever com o antigo. É toda uma geração que já não sabe que “direto” se escreve com “c”.

 

O Quanto Amei – Fernando Pessoa e as Mulheres da Minha Vida” é o filho literário mais recente de Sara Rodi. Que obra é esta?

 

Foi o meu maior desafio literário, até agora. Entre pesquisa, escrita, revisão, desânimo ou redobrado entusiasmo que me obrigava a reescrever quase tudo, demorei sete anos a concluir este livro. O foco é a vida e obra de Fernando Pessoa, mas na medida em que ela foi influenciada pelas mulheres com quem se cruzou: as mulheres da família, as amas e as governantas; aquelas por quem se apaixonou, ou por quem se apaixonaram os amigos; as mulheres do seu tempo – algumas a lutar pelos seus direitos e pela sua afirmação no panorama cultural e social –; as místicas e as que marcaram a história do mundo. É um novo olhar, subjetivo e empático (assim quero crer) sobre Fernando Pessoa, autor que, ao mesmo tempo que escrevia textos que hoje consideramos misóginos, questionando a inteligência das mulheres, se deixava amparar e amar por elas. Contradições humanas que continuam a marcar, de tantas formas, os nossos dias. 

  

E agora, o que se segue a curto e médio prazo?

 

Neste momento estou a terminar o volume XV da coleção “As Gémeas”, estou a trabalhar numa série televisiva e a pensar no meu próximo romance. A médio prazo também não faltam ideias para muitas coisas diferentes. Só me falta é tempo.

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