Texto Aníbal Fernandes
A pandemia tirou-nos muito, mas não conseguiu roubar a liberdade para se continuar a criar. Rodrigo Leão passou grande parte do confinamento no Alentejo, em Avis, e, apesar de um primeiro momento de dúvidas e receios, aproveitou parte do tempo para trabalhar. Daí saíram uma série de músicas que retratam o antes, o durante e o depois (?) da covid-19. Uma trilogia, a ser lançada em outubro, mas cujo primeiro ‘single’ sairá dentro de dias. Chama-se “Liberdade”.
No inicio era “O Método”…
Antes do “Avis 2020” fiz “ O Método” que foi dos discos que demorou mais [tempo] a ser elaborado. Eu queria seguir uma direção mais ambiental e andei dois ou três anos a tentar encontrar ideias. Às tantas já tinha 40 ideias e era uma grande confusão. Até que decidimos – eu, o João Eleutério e o Pedro Oliveira - convidar o produtor e músico Federico Albanese que está muito naquela corrente dos pianistas novos, como, por exemplo, o Ludovico Einaudi, e senti que muitas das ideias que andava à procura estavam mais viradas para esse universo ambiental com uma eletrónica muito discreta. Portanto convidámos pela primeira vez um elemento exterior à equipa e foi bom porque nos levou para o caminho que andávamos à procura.
Foi o último registo antes da pandemia?
Sim. Saiu uma semana antes de começar a pandemia. Ainda fizemos, entre outubro e fevereiro, oito ou nove concertos, mas quando ia arrancar a promoção do disco e tínhamos cerca de 30 concertos marcados na Alemanha, Espanha e Portugal, foi um choque.
Foi para o Alentejo passar o confinamento e nasceu o “Avis 2020”.
Exatamente. Se bem que no primeiro mês, apesar da vontade e do tempo que tinha, a verdade é que não saía absolutamente nada. As poucas vezes que ia para o sintetizador… não saía nada. Evidentemente estava preocupado, como todos estavam, com tudo o que se passava. Curiosamente, passados dois meses comecei a fazer uns pequenos filmes com o telemóvel, das nuvens, do céu, das árvores e ganhei vontade de os musicar. Na altura tinha acabado de sair um disco novo e não queria fazer outro, mas começaram a sair umas ideias e achei que valia a pena, pelo menos, registar aquelas músicas que tinham a ver com um estado de espírito cheio de receios e incertezas. Acabou por ser um disco muito simples, quase todo feito por mim com sintetizadores, guitalele, harmónica, baixo, mas, também, com sons do campo, ovelhas, passarinhos, vento, a que chamámos “Avis 2020”. São nove temas, relativamente pequenos, muito ambientais, mas que registou aquele momento.
E chegou a ser tocado ao vivo?
Alguns desses temas tocámos nos poucos concertos que fizemos o ano passado.
E passado um ano vai ser lançado “A Estranha Beleza da Vida”…
Em outubro, quando regressámos a Lisboa, dois dos meus filhos ficaram infetados com a covid-19, com poucos sintomas, mas ficámos 15 dias fechados em casa. Aí começaram a surgir ideias novas e com mais alegria, mais esperança. Eram ambientes bastante diferentes daqueles que estavam no “Avis 2020” e em “O Método”. Aliás, os primeiros temas remetiam-me para os anos 50, nem percebi como é que aquilo foi ali parar, mas estava entusiasmado. Dois dos temas acabaram por ser cantados por convidados estrangeiros, o Kurt Wagner, da banda americana Lambshop e uma cantora canadiana, Michelle Gurevich. Enviei-lhes a ‘demo’ e no dia seguinte disseram que sim. Fiquei muito contente.
Já foi um disco de estúdio?
Nós estávamos confinados. Muito trabalho foi feito pela internet com o João e com o Pedro. Não senti a necessidade que noutros discos existe de nos encontrarmos todas as semanas no estúdio, mas, por um lado, também foi bom. Talvez me tenha obrigado a trabalhar mais. E senti algumas mudanças, apesar de ser um disco muito semelhante aqueles que eu fiz como o “Cinema”, a “Mãe” ou o “Alma Mater”. Não havia a preocupação de tentar encontrar algum caminho. Há ali temas muito diferentes, mas uma certa continuidade.
Ainda assim, muito diferente do disco com o Scott Matthew.
Sim. Esse eram canções. Eu enviava-lhe as ideias e ele escrevia as letras…
Foi um intervalo na produção habitual.
Foi um intervalo grande, porque não foi só o disco do Scott que era ‘pop’ alternativo: fiz antes um disco com a Orquestra da Gulbenkian e, anterior a esse, fiz “A Vida Secreta das Máquinas”, uma aproximação à música eletrónica. Portanto houve uma paragem na maneira habitual de fazer os discos. “A Estranha Beleza da Vida”, apesar de estarmos ainda confinados, em janeiro, fevereiro e março, já mostra mais otimismo, mais certezas. Mas não havia concertos, o que me deixou mais tempo para produzir. Assim, o “Método” é o momento pré-pandemia; o “Avis 2020” o EP que retrata o momento em que vivemos confinados, no campo; agora vai sair um ‘single’ de “A Estranha Beleza da Vida”; e, depois, em outubro, será lançada a trilogia, a que chamei “Liberdade” com os três discos. Antes, durante e depois da pandemia – ainda não é bem depois, mas… E chama-se “Liberdade” por termos vivido um período em que tivemos menos liberdade para fazer a vida normal, mas continuámos a ter a liberdade para criar e liberdade de poder misturar estilos de música muito diferentes. Há uma liberdade que eu sempre procurei que é a de não estar preso a nenhuma corrente musical. Há muitos cruzamentos do popular, do clássico, do ‘pop’ que estão presentes nestes três trabalhos.
Para além dos dois cantores já citados há mais convidados?
Há. A Débora Umbelino, uma cantora de Leiria que tem um projeto eletrónico chamado Surma e que acompanho há três ou quatro anos e a Martirio, uma cantora de flamenco. Uma coisa que já não fazia há muitos anos quando tinha as minhas músicas e, depois, escolhia os convidados.
E agora o que se segue?
Neste momento ainda estamos a apresentar “O Método”. Vamos fazer um concerto em Leiria e outro em Barcelona, mas a partir de setembro vamos apresentar “A Estranha Beleza da Vida”, já inserida no triplo “Liberdade”.
Em que formato é que o projeto vai para a estrada?
É um quinteto: o João Eleutério que toca guitarra, baixo, harmónio, sintetizador; a Viviana Tupikova que toca violino e canta; o Carlos Toni Gomes que toca violoncelo; e a Ângela Silva que é uma cantora que trabalha connosco há alguns anos, mais ligada à área lírica, mas aqui está a cantar aquele lado mais estranho que estava no “Método”, aquelas música que não tinham letra…
E Beja está no calendário?
Não sei. Mas é habitual irmos ao Pax Julia. A verdade é que a ‘tournée’ está dependente da evolução da situação pandémica. Tudo isto, para toda a gente e também para os músicos, foi um terramoto, mas neste momento, existe a vontade de continuar a fazer coisas independentemente de tudo.
CAPAS
Umas são físicas, outras digitais. Mas as capas dos CD são aquilo que primeiro vimos e avaliamos num trabalho musical. A de “O Método” foi a estreia de Rodrigo Leão nas artes gráficas; “Avis 2020”, em formato digital, recorreu a uma imagem do vídeo de lançamento. Agora, para o terceiro disco, “A Estranha Beleza da Vida”, o músico fundador de Madredeus e Sétima Legião, convidou o escritor e ilustrador Afonso Cruz; e para a da trilogia a artista plástica Joana Villaverde. Também eles residentes no Alentejo.