Texto Luís Miguel Ricardo
Teresa Jardinha, 47 anos, natural de Ferreira do Alentejo, 12.º ano de escolaridade, assistente de consultório, mestre de reiki, três filhos, um marido e 26 anos a arremessar emoções ao encontro dos espetadores. Partilha o palco da vida pessoal e profissional com o das artes, com o palco onde faz viver uma panóplia de personagens nascidas de adaptações literárias, de guiões de teatro, ou de argumentos para radionovelas e “teatrelas”.
Das quase três décadas que leva ligadas à arte da representação, destaca o papel de membro fundadora do grupo de teatro Ritété, o cargo de presidente da assembleia geral da Associação Baú de Talentos e o envolvimento no projeto Festival Artes à Solta, uma iniciativa que pretende “levar a todos a arte e os artistas ferreirenses” e que já vai para a sua terceira edição.
Quem é Teresa Jardinha, artista de palco?
Artista!? Não me defino como tal, mas para mim o sensacional é estar em palco. Adoro o palco, adoro o contacto com o público, adoro ouvir o silêncio e/ou as gargalhadas das pessoas enquanto estou em cena, adoro sentir o carinho das palmas depois de ter declamado um poema, ou depois de cantar uma música. É no palco que me realizo enquanto atriz e enquanto pessoa. Todavia, o trabalho que mais aprecio é, sem dúvida, a expressão teatral. O teatro é uma troca de emoções entre o ator e o público capaz de fazer vibrar todo o meu ser.
Quando e como o gosto pela representação começou a ganhar protagonismo?
O gosto pela representação cresceu desde miúda, em teatrinhos de escola. Sempre que podia estava em palco. Depois sucedeu-se a participação em vários grupos de teatro. Em 2009, com o Ritété, e os trabalhos para as crianças, desenvolvi outras facetas artísticas. Em 2013, com o “Serão ao Fresco", um original da Maria Ana Ameixa, nasceu um novo desafio, esse sim com influências de um Alentejo onde nos sentávamos, ao serão, à porta de casa, para apanhar o ar fresco nas noites quentes e conversar com as vizinhas.
Quais dos seus trabalhos destaca?
Desde que o grupo Ritété tem peças originais, todas merecem destaque. São todas muito boas na parte da escrita e, quanto à representação, contamos com um leque de colegas de palco muito bons, trabalhadores e dedicados. Todos amadores, é claro, mas a desempenharem os seus papéis com muito empenho. Destaco “O Serão ao Fresco”, porque inaugurou um tempo novo na história do Ritété; o “Auto da Contenda do Foral de Ferreira”, porque fizemos uma recriação de possíveis acontecimentos que remontam ao século XVI; a “Excursão” e “Vamos Evitar Uma Morte”, pelos pormenores concretizados em palco e pelo humor em todo o texto, e também a “Sentença”, um monólogo escrito pela Maria Ana Ameixa. Foi o trabalho mais exigente que já fiz, mas o resultado foi deveras compensador.
Das personagens já interpretadas, há alguma que tenha dado mais prazer incorporar?
Tenho duas. A Chica, a mais hilariante e divertida de todas. Esta magana é muito engraçada e terrível na arte do "corte e costura". É daquelas que pode dizer tudo. É uma personagem que diverte o público ao máximo, e da qual me é difícil desligar. Muitas vezes dou por mim a fazer de Chica. O carinho que o público tem por ela também me estimula a levá-la sempre mais além. Trata-se de uma personagem imprevisível. A outra é a Maria. Esta foi a que mais me marcou. Talvez pelo desafio de estar em palco sozinha e por tanto que a Maria tem de todos nós. Foi dada como louca. Mas loucos somos todos nós, não!?
Alguma preferência entre géneros representativos?
A comédia pois adoro ouvir as gargalhadas das pessoas. A comédia é o outro prato da balança, capaz de dar algum equilíbrio no meio das dificuldades da vida.
Como é o processo de fazer nascer uma personagem?
Depois de ler o texto e ouvir o que a encenadora tem para me dizer sobre a personagem, sigo a linha por ela traçada e dou o meu cunho pessoal à criação das personagens. Esse cunho pessoal é o reflexo de tudo quanto me rodeia.
Que projeto é este do Ritété?
O grupo de Teatro Ritété surgiu há cerca de 12 anos pois eu e a Rita Guerreiro – as duas fizemos parte de quase todos os grupos de teatro de ferreirenses – sentimos necessidade de formar algo mais sólido. A nós juntou-se o Artur Silva, que sempre nos acompanhou na parte da criação de músicas originais para os nossos projetos e, em 2013, a Maria Ana Ameixa começou a escrever peças originais para o grupo. A seguir, outras pessoas foram chegando: a Sara Ramos, a Cláudia Freitas, o João Canudo, a Marta Pereiro, a Cristina Rodrigues, a Sílvia Guerreiro, o Rodolfo Flausino, a Carolina Baltazar, a Maria Beatriz Salgado, a Susana Rocha, o João Caldas, o André Jardinha e muitos mais que vêm e vão, consoante a necessidade de personagens nas nossas peças. No ano passado juntaram-se a nós o Jorge Serrano, o António Toscano, o Miguel Carvalho, a Inês Medinas e o Filipe Moreira para o projeto da “teatrela” intitulado "Novos Rumos ".
O Ritété transformou-se numa escola informal de introdução à arte de representar?
Digamos que o grupo Ritété tem ajudado no despertar de alguns membros para a arte de representar. Consoante as necessidades do grupo, são recrutados colaboradores que vêm para coreografar, musicar, fazer de ponto, atuar e que, depois, vão ficando. No nosso grupo procuramos a arte que existe em cada um e ao perceberem isso, as pessoas vão permanecendo connosco.
Alguns momentos inusitados vividos ao longo deste trajeto de representação?
Muitos! Mas partilho um que aconteceu há uns anos, quando tivemos como camarim uma casa mortuária antes de uma apresentação do "Serão ao Fresco". Foi um pouco macabro, mas um fartote de rir. Ainda bem que não morreu ninguém naquele dia, senão não tínhamos onde nos vestir e maquilhar.
Que papel desempenham as novas tecnologias na sua carreira artística?
Já utilizamos o Facebook há algum tempo para a exibição de pequenos ‘sketchs’. Com a pandemia sentimos necessidade de ter um canal de YouTube à séria e também mais uma conta no Instagram. Quem trata disso é a Rita Guerreiro. Até porque, com o projeto da “teatrela” quisemos presentear os seguidores com algo maior e rendemo-nos às redes sociais para estarmos mais próximos do nosso público.
Como tem sido vivido este período de ‘stand by’ no mundo?
Com resiliência. Não inibe a criatividade, pois, enquanto houver sintonia entre o nosso grupo, iremos sempre criar mais e melhor, pensando em divertir o nosso público.
O que se segue?
Tanta coisa. Temos tantas peças escritas que alguma há de sair à cena. Aguardamos que a pandemia passe e que melhores dias venham para que a nossa arte possa voltar a sair à rua. Viva o teatro!