Texto Luís Miguel Ricardo
“Nasci por acidente em Lisboa, mas sinto-me alentejano, ainda que de momento já não sei bem de onde sou ou onde pertenço. Sinto-me bem em vários países do mundo. Fiz recentemente um teste de ADN para conhecer as minhas origens e o resultado foi, de alguma forma, surpreendente. Tenho origens no País Basco, na Sibéria, na fina Escandinávia e nas Ilhas escocesas de Órcades. Com os resultados deste teste e das experiências que espero vivenciar nessas regiões do planeta, vou fazer um espetáculo, ainda este ano, que está a ser escrito por um querido amigo dramaturgo argentino, o Santiago Serrano”.
Eis António Revez na primeira pessoa, 48 anos de idade, ator de profissão. “A vida tem sido bastante generosa comigo. Penso mesmo que muito mais do que aquilo que eu tenho feito por merecer! Para alguém como eu, que viveu até aos 16 anos na Cabeça Gorda, ter a felicidade de conhecer quase toda a América Latina, ter tido a oportunidade de fazer cerca de 150 atuações em quase todos os seus países, faz de mim um privilegiado. Igualmente, o facto de ter assistido ao vivo a discursos de Álvaro Cunhal, Fidel Castro, Hugo Chaves e Kim Il Sung, fez de mim uma melhor pessoa, penso eu”.
Sobre projetos artísticos, diz que os principais estão sempre para vir. “Não sou muito de olhar para trás, de ficar preso ao que fiz ou deixei de fazer. Sou muito mais de viver o presente com um pé no futuro”. Porém, sempre há aqueles momentos que deixam marcas especiais, pela questão artística, mas sobretudo pelas pessoas neles envolvidas, como algumas produções do grupo Lendias d´Encantar, o FITA – Festival Internacional de Teatro do Alentejo, ou o Festival das Marias.
Quando e como foi descoberta a vocação para a representação?
Sinceramente não sei, mas não foi de pequenino. Vivi até aos 16 anos na aldeia e nunca vi teatro até essa idade. Curiosamente, por essa altura, colaborava com umas bandas de rock, de Beja, e fazia umas performances nos concertos. Depois, fui quase que obrigado, por um amigo, a ir experimentar fazer teatro, e entrei para o Arte Pública, onde participei em vários espetáculos durante cerca de três anos. Só depois fundei as Lendias, em conjunto com muitos outros amigos. Sou autodidata. Nunca tirei qualquer curso de representação, o que faz de mim um ator com limitações em vários aspetos.
Dos vários registos de representação experimentados, há algum que seja o de eleição?
Definitivamente, o teatro. Não que tenha muita experiência de outros registos, como o cinema ou a televisão, mas realmente o que mais me preenche é o teatro. O teatro tem muito a ver com a minha maneira de ser, gosto de viver no limbo, no limite, de dar passos no escuro, de lançar o corpo ao vento sem medo das tempestades. O teatro é muito isto, não há maneira de repetir, de corrigir, é sempre um ato único e irrepetível. Cada espetáculo é sempre diferente de todos os outros. O pânico que sinto de cada vez que estou para entrar em palco é doloroso, mas dá muito prazer e é viciante. É difícil de perceber como este pânico nos dá prazer.
Viver no Alentejo representa uma fonte de inspiração ou de limitações para a carreira?
Acho que o facto de viver e de ser alentejano é um privilégio e uma grande fonte de inspiração, mas também pode ter algo de limitativo. Eu nasci antes do 25 abril, quando as pessoas tinham de fugir do Alentejo para matar a fome e procurar melhores condições de vida. Isto aconteceu com os meus pais. Depois assisti à Reforma Agrária, aos primeiros anos após o 25 de Abril. Eram tempos de esperança, de conquistas, de melhorias significativas nas vidas das populações do Alentejo. Estes acontecimentos marcaram-me muito e, aos 13 anos, decidi, também por isso, inscrever-me na Juventude Comunista Portuguesa, o que foi fundamental na minha formação como homem, e que de alguma forma ainda se revela no tipo de teatro de cariz mais político que gosto de fazer. Nesta vertente, enquadram-se produções como “Catarinas de Baleizão”, “Sangue Pisado”, “Coiote” ou “37”, que são espetáculos marcadamente políticos. Neste momento, o Alentejo é uma região diferente, para pior, com uma paisagem completamente transformada pela agricultura superintensiva que explora, agressivamente, os recursos naturais e humanos, como é o caso da população imigrante, e ainda com o avanço político da extrema-direita. Relativamente às limitações que o facto de viver no Alentejo podem representar, creio que já senti mais isso. Neste momento vivo com uma grande tranquilidade perante essa realidade, até porque uma boa parte do ano vivo fora de Portugal, em digressão ou a montar espetáculos.
Algumas histórias inusitadas ao longo do percurso de ator?
Existem sempre muitas histórias, principalmente quando já vamos fazer 30 anos de atividade, mas geralmente ficam entre nós. São coisas que não tornamos públicas, pequenos enganos, esquecimentos de texto, avarias técnicas que têm de se resolver em cena. Mas há uma história que recordo, que de triste acabou por ser cómica. Passou-se na aldeia da Mina da Juliana. Estávamos a fazer o espetáculo “Grávida Abandonada Procura Namorado”, quando, de repente, dois homens do público começam literalmente ao soco entre eles, e isto durou cerca de cinco minutos. Nós em cena, com o espetáculo parado e sem saber o que fazer. Passados os cinco minutos de luta livre, lá demos seguimento como se nada tivesse acontecido, mas com uma grande vontade de rir, pelo insólito da situação.
Como vai o universo da representação em Portugal?
Portugal é um país pequeno, com pouco mercado, mas curiosamente com muita e boa formação de atores. Isso provoca um grande desfasamento entre a procura e a oferta. Ainda por cima com o reduzido apoio que as estruturas de criação têm do Estado, quer a nível local quer central, é muito difícil aos agentes artísticos contratarem mais gente, o que provoca uma grande instabilidade laboral e um grande desemprego entre os atores. Nós tentamos, com os poucos recursos que temos, contratar mais gente e apoiar as estruturas que se queiram instalar na região, mas não é tarefa fácil.
Como tem sido vivido este período de “stand by” no mundo?
Tem sido difícil suportar toda esta situação, mas não somos caso único. A grande maioria da população está a passar por uma situação bastante complicada. Deixámos muitas coisas que tínhamos agendadas para fazer, principalmente as coproduções internacionais. Mas chegará o dia em que as podemos retomar e concretizar. O que me preocupa nestes tempos em que vivemos, são os mais vulneráveis, os mais desprotegidos, o que virá depois da pandemia. A crise social e económica que aí vem, é que me preocupa. O teatro não tem de se reinventar, o teatro tem de esperar que isto termine e voltar a ser como era, com o público e para o público.
Que projetos estão na “manga” a curto e médio prazo?
É surpresa, mas são muitos e bons projetos. Este período serviu também para amadurecer o que queremos fazer enquanto companhia de teatro. E consegui fazer toda uma entrevista sem falar da minha filha Leonor, que é a minha maior crítica e, simultaneamente, a minha maior inspiração.