Diário do Alentejo

Alentejo: Taxa de abandono escolar reduzida para metade

23 de fevereiro 2021 - 09:20

A redução do abandono escolar no Alentejo acompanha a tendência decrescente registada a nível nacional, ainda que não de forma tão significativa. Se, em 2011, um em cada cinco jovens alentejanos chegava ao mercado de trabalho sem ter concluído o ensino secundário, em 2019 essa percentagem tinha baixado para 12,7 por cento. E, muito provavelmente, sofrido nova redução em 2020, ano para o qual só existem ainda dados nacionais, que apontam nesse sentido.

 

Texto Luís Miguel Ricardo

 

Os números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística indicam que em 2011 a taxa de abandono escolar no Alentejo (20,1 por cento) era inferior à média nacional (23 por cento), verificando-se, daí para cá, uma descida acentuada. Em 2019, Portugal registava uma taxa de abandono de 10,6 por cento, reduzida no último ano para 8,9 por cento. Um cenário que coloca Portugal, pela primeira vez, abaixo da média europeia. Por género, os rapazes passaram de 28,1 para 12,6 por cento de abandonos em 2020, enquanto as raparigas transitaram de 17,7 para 5,1 por cento, ou seja, três vezes menos do que em 2011.

 

O abandono escolar precoce é um indicador estatístico do Eurostat, usado nos países europeus para aferir a percentagem de jovens entre os 18 anos e os 24 anos, que ingressam no mercado de trabalho com o ensino secundário incompleto, seja na escola dita “normal”, seja na formação profissional.

 

“No agrupamento de qual faço parte, a redução do abandono escolar está diretamente relacionado com o insistente trabalho que temos vindo a fazer ao longo dos anos. O agrupamento está integrado no programa Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) e tem ações e técnicos específicos que trabalham essa problemática”, diz Herlander Mira, adjunto da direção do Agrupamento de Escolas N.º1, de Beja, a exercer as suas funções na Escola de Santa Maria. “A continuidade das ações, o reforço e ajuste das mesmas e ainda o facto dos técnicos já se encontrarem no Agrupamento há vários anos, ajuda a que haja um estreitamento de laços da escola com a família. Trabalhamos os alunos, mas em simultâneo trabalhamos também as famílias, na tentativa de quebrar as representações sociais negativas que as mesmas têm da escola”. À estratégia interna da instituição, acrescenta-se a “articulação constante” com entidades do concelho, nomeadamente, a Segurança Social, a Cáritas, a Sementes de Vida, a Câmara de Beja ou a Cimbal, entre outras, num “trabalho em rede cujos frutos se refletem na diminuição do abandono escolar”.

 

Segundo Herlander Mira, o facto de existirem mais rapazes do que raparigas a deixar os estudos de forma precoce explica-se pelo facto de os rapazes ““serem incentivados a começar a trabalhar, quer para trazerem dinheiro para casa, quer para ajudarem os pais nas suas tarefas. As famílias de muitos deles veem na escola uma instituição sem importância e que representa, muitas vezes, um meio para receberem apoios económicos do Estado”. Quanto às raparigas, grande parte do abandono escolar no agrupamento, sublinha, “corresponde a alunas de etnia cigana”.

 

PERCURSOS ALTERNATIVOS

 

Professor na escola de Santa Maria, em Beja, Jorge Palma é diretor de turma do 5.º ano Percursos Curriculares Alternativos (PCA), onde o perfil tipificado dos alunos se caracteriza por desinteresse e até aversão ao contexto escolar. Segundo refere, a melhoria dos indicadores estatísticos explica-se por “um investimento enorme no combate ao abandono e absentismo escola”, que tem passado pela autonomia dada às escolas em TEIP, pela flexibilização dos currículos e pela formação de turmas de cursos profissionais. Medidas que, na opinião de Jorge Palma, “resultam” porque o aluno identificado com o abandono ou absentismo “pertence normalmente a meios onde há mais dificuldades e onde as baixas habilitações literárias dos agregados familiares não valorizam a escola como polo de desenvolvimento do seu educando”, sendo portanto necessário “tornar o ensino deste tipo de alunos mais prático, mais interessante e motivante, e que tenha por base os seus relatos de conhecimentos sobre a vida”.

 

Como exemplo de “boa prática”, este docente destaca o “plano de inovação” adotado na Escola de Santa Maria: “Não sendo bons alunos nas áreas do saber, através das suas vivências, conseguimos encontrar alguns que são verdadeiros especialistas noutras áreas que a escola dita normal não contemplava, mas que o plano de inovação vem integrar”. Há quatro anos, quando chegou á escola, Jorge Palma ficou com a direção de uma turma de 5.º ano composta por alunos com um vasto histórico de reprovações e indisciplina e com uma média de idades a rondar os 16 anos. “O desespero estava a apoderar-se do conselho de turma e, naturalmente, o processo ensino-aprendizagem estava deveras comprometido”. Depois de trabalho específico com estes alunos, 90 por cento da turma transitou de ano. “Mudaram muito o seu comportamento em relação ao viver em sociedade, e mudaram o gosto pela escola, evitando mais reprovações e abandono escolar”.

 

A estas estratégias e respostas educativas, Ausenda Serra, professora de Português no Agrupamento de Escolas de Castro Verde, acrescenta o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE) criado em 2016, com o objetivo de “dotar os docentes de diversas ferramentas para a conceção e elaboração dos planos de ação estratégica”. Mas, sublinha, a redução do abandono escolar fica também a dever-se a vários programas de apoio aos alunos com mais dificuldades sociais, económicas e educativas: subsídios escolares, apoios educativos e reforço das equipas de educação inclusiva e especial.

 

PROMOÇÃO DO SUCESSO

 

Diretor do curso de Ciências da Educação da Universidade de Évora, investigador e profundo conhecedor da realidade educativa no território, José Bravo Nico faz o enquadramento das estratégias que podem estar na génese da inversão dos números de abandono escolar. “Na última década, consolidou-se o alargamento da escolaridade obrigatória até ao final do ensino secundário (12.º ano ou 18 anos de idade), uma alteração que se implementou a partir de 2009. Este facto convocou o país para um grande desafio, uma vez que, a partir desse momento, o quadro de referência inclui o ensino secundário, nível de escolaridade que, até aí, apresentava níveis de frequência baixos, comparativamente a outros países da União Europeia ou da OCDE. É neste novo e exigente contexto que o país inicia um caminho de promoção do sucesso escolar, tendo implementado diversas políticas nesse sentido”.

 

Segundo José Bravo Nico, “o aprofundamento da experiência de escolas TEIP, a promoção da autonomia escolar (envolvendo dimensões como o currículo, a gestão pedagógica ou a formação docente) ou a aposta decisiva no PNPSE (envolvendo ativamente as autarquias e as comunidades intermunicipais) são exemplos de algumas das políticas educativas que terão concorrido de forma mais significativa para a redução das taxas de insucesso e de abandono escolares, no país e na região Alentejo”.

 

“Os números são melhores e estamos numa dinâmica positiva, mas ainda nos encontramos afastados dos níveis observados nos países com melhores indicadores, pelo que há ainda muito trabalho a fazer”, diz o professor universitário, e ex-Diretor Regional de Educação do Alentejo, acrescentando que os indicadores regionais demonstram a existência de assimetrias, “realidade que nos deve convocar para um trabalho mais focado nos territórios com mais dificuldades, no sentido de garantir a coesão territorial e social, no acesso e no sucesso educativo”.

 

Ainda de acordo com José Bravo Nico, um dos desafios para os próximos anos passa por garantir aos alunos “as melhores condições possíveis para a realização de longos e bem-sucedidos percursos de qualificação e, em seguida, a possibilidade de alguns desses jovens optarem por continuar nas suas terras, integrados em profissões qualificadas compatíveis com as suas qualificações”. Ou seja, “esta relação entre qualificação e emprego, em territórios de baixa densidade, é crítica para o futuro demográfico, económico e social. O Alentejo tem de ser suficientemente atrativo para os jovens mais qualificados, pois eles serão os protagonistas do desenvolvimento futuro da nossa região”.

 

Por outro lado, diz ser “fundamental” que o Alentejo “possa ter capacidade de decisão nos processos de pensamento, desenho e gestão de toda a sua rede de qualificação. Temos que ser capazes de ter, na nossa região, uma excelente rede de qualificação que assegure e ofereça a máxima diversidade e qualidade a todos os jovens: os alentejanos e os que quiserem escolher o Alentejo para realizar as suas formações”.

 

ENSINO PROFISSIONAL

 

Artur Lança, presidente da direção da Escola Profissional de Cuba, diz que a maior oferta de vagas no ensino profissional, a criação de cursos de educação e formação para jovens e a diversidade de ofertas formativas contribuíram igualmente para combater o abandono precoce. Tal como o ensino modular, “com unidades de formação de curta duração e assente em planos curriculares com uma forte componente prática”, a realização de atividades e projetos pioneiros e únicos, se não no país, pelo menos na região sul” ou os vários projetos Erasmus a decorrer, “permitindo que um elevado número de alunos, usufrua de experiências internacionais”.

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